quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

continuando...

                             Capítulo 2

                                               Em comum


Enquanto andávamos, tentei saber mais sobre o homem que me salvara de uma situação complicada.
– Eu sei que pode parecer impertinente, mas é que sou fã de artes marciais, e oque você fez há pouco, me deixou maravilhada.
Ele sorriu.
– Não é nada demais. – falou ele – Eu sou um eterno aprendiz de Muay Tai. E enquanto pratico, aproveito para desenvolver algumas técnicas que se encaixem melhor ao meu perfil.
– Fascinante! – disse eu com os olhos brilhando. – E você trabalha Sr. Willian?
–  Ah, claro! Todos têm que trabalhar para sobreviver não é? – disse ele sorrindo para mim.
Alguma coisa no seu jeito de falar e em seu sorriso me impediu de perguntar sua ocupação.
– É claro. – respondi.
– Mas e você? Acho que a pequena aventura de alguns minutos atrás não deve render nenhuma grande manchete, não é?
Não, infelizmente acho que… – fiquei emudecida ao me lembrar de que eu não havia comentado nada referente ao meu trabalho. Olhei para ele totalmente perplexa enquanto estacava na calçada. Ele que continuou em frente, parou e virou a cadeira de rodas em minha direção.
– Ah, desculpe-me. – disse ele rindo. – Você não disse que era repórter, eu sei.
– Exato! – foi tudo que saiu da minha boca, enquanto meus olhos ainda se encontravam escancarados.
– Se acalme. –tentou ele me tranquilizar. – Acontece que eu sou uma pessoa que assimila as coisas muito rápido, pelo que me dizem.
– Como assim? – perguntei aturdida.
– Bom, eu não pude não perceber quando você e seus amigos chegaram de carro ao local, já que eu estava na esquina há poucos metros. Oque me possibilitou ouvir a breve discussão dentro do carro, que se referia à câmera do fotógrafo. Você estava do lado de fora, atenta aos movimentos dos rapazes que se encontravam à entrada daquela casa de massagem.
– Assim que vocês chegaram, eu vinha pela calçada, então passei pelo carro antes que este saísse atrás da viatura. Tive tempo de ver o crachá de seu amigo Henrique. "O curioso". É para este jornal que você trabalha não é?
Sacudi a cabeça em resposta.
– Pois então, como eu duvidaria que você estivesse atrás de uma matéria? Eu bem conheço os repórteres desse  jornal. São como abutres que se tornam excepcionalmente ágeis, ao menor cheiro de podridão. Sem ofensas, por favor.
Estaria sendo hipócrita se me ofendesse. Afinal, eu sabia muito bem que o jornal era sensacionalista. E que repórteres e fotógrafos chegavam a passar dias e noites de tocaia, apenas esperando uma oportunidade de manchar o nome de alguém que se encontrava num dia ruim.
– Ofensa nenhuma. – respondi. – Confesso que não é oque eu quero exatamente, mas apenas um degrau. – justifiquei-me.
– Entendo.
– O senhor me assustou! Achei que era vidente ou algo do tipo. - disse eu sorrindo.
Ele gargalhou com gosto.
– Já me disseram isso mais de uma vez. E acho mesmo que conseguiria enganar muita gente se enveredasse por esse lado. Mas existem ocupações mais honrosas para quem sabe observar oque deve, sem que seja a de tomar dinheiro de incautos.
Novamente minha curiosidade me assaltava. Sentia como se algo dentro de mim empurrasse a pergunta garganta acima.
– Não consigo pensar em alguma assim, de repente. – arrisquei.
– Sua curiosidade te maltrata não é Alessandra? – disse ele sorrindo.
Eu apenas levantei as sobrancelhas em sinal de não saber do que ele estava falando.
– Ora, vamos. – ele disse – Você é uma pessoa ansiosa, inteligente, sonhadora, batalhadora, destemida, um tanto insegura… Como poderia não ser dominada por uma curiosidade tão grande, que você sente que na maioria das vezes não pode com ela?
Ele falou de uma forma muito rápida. Como quem lê uma lista para alguém que já conhece a maioria dos itens.
– Senhor Willian! – exclamei parando novamente de andar.
– Oque foi? – perguntou ele virando-se novamente.
– O quê foi? O senhor acaba de me descrever quase por completo. Já percebi que é um bom observador, mas isto… É demais pra mim.
Ficamos nos olhando por uns segundos.
–  Você tem que me ensinar a fazer isso. – disse eu com o semblante sério. Mas ele entendeu que era uma falsa raiva. Rimos muito por alguns segundos enquanto eu novamente me juntava a ele.
– Não sei se é algo fácil de aprender, mas posso te dar umas dicas.
– Logo depois de me explicar como descobriu tanto sobre mim, não é mesmo? – indaguei num tom de súplica.
Ele sorriu alegre.
– Pode ser. Mas tem que ficar para outro dia. Como eu disse, tenho assuntos urgentes, e chegamos à minha bat-caverna.
Desviei o olhar rindo da piada e vi então onde ele morava. Não era uma casa, e sim um prédio. De tão velho e mal conservado, me pareceu ter mais de cem anos.
– Vai mesmo me maltratar assim senhor Willian?
– O primeiro passo é controlar sua ansiedade, e também sua curiosidade. Se puder fazer isso, ai poderemos progredir. E a propósito, pare com o "senhor Willian". Da minha parte já lhe considero uma amiga, portanto, é apenas Willian, tudo bem?
– Certo. – respondi
– E para provar que já lhe considero uma amiga, vou satisfazer uma de suas curiosidades agora mesmo.
Uma energia me percorreu o corpo como uma corrente elétrica, e entusiasmada perguntei:
– Qual?
– Você há pouco não se aguentava de vontade de me perguntar no que eu trabalho. Pois bem. Eu sou um decodificador de situações. E sou solicitado quando estas situações apresentam detalhes, que maculam a reputação melindrosa das pessoas que as tentam entender.
Fiquei ali em pé olhando para ele com uma cara engraçada.
– Me parece que o senh… você… gosta de falar por entrelinhas. – disse eu sincera. – Mas acho que entendi. Você é um detetive, não é isso?
– Por favor! – disse ele levantando a mão com uma expressão de desagrado no rosto. – Eu não gosto de rótulos. E esse termo já foi tão amplamente usado, que se tornou uma espécie de vírgula para mim. Além disso, "detetive" é um substantivo muito rudimentar para denominar oque eu faço.
Nesse momento eu pensei brevemente que Gross era um tanto presunçoso. Afinal, para mim, detetive era até mesmo um adjetivo dos mais honrosos para quem o detivesse. No entanto, não dei alarde da minha impressão.
– Bom, mas se é assim, com certeza você é um… – procurei a palavra mentalmente – consultor. Não trabalha para polícia oficialmente, não é assim?
Ele me olhou com um olhar curioso. Parecia surpreso com minha dedução.
– Como chegou a isso? – perguntou.
– Ué! Da maneira como descreveu sua ocupação, e como se referiu aos "que tem a melindrosa reputação maculada", só pude pensar que se referia a polícia.
Agora seus olhos brilhavam de excitação.
– Excelente dedução! Maravilhosa! – disse ele com sinceridade. – Começo a ver que você pode ter um futuro nesse campo.
Não pude deixar de sentir pelo calor nas bochechas, que estava corada. Contudo, tentei minimizar meu feito, enquanto por dentro explodia em alegria.
– Estava bastante óbvio Willian.
– Justamente. É oque vivo dizendo aos que me perguntam como cheguei a esse ou aquele resultado, que para eles até aquele momento, era insolúvel.
– Ah Willian, – protestei – mas não queira comparar oque acabo de deduzir com oque você fez há pouco. Descrever a personalidade de uma pessoa como fez, está a anos-luz da bobagenzinha que eu fiz.
– Talvez, mas você leva jeito menina. – falou brincalhão – se tiver interesse no ramo, pode se dar muito bem.
– Obrigada!
– Bom, agora preciso mesmo entrar. Assuntos urgentes me esperam.
– Uma grande conspiração a ser revelada, talvez? – brinquei.
Ele me olhou de repente e muito sério com seus olhos cinza. Depois, apoiou as mãos nos braços da cadeira e se inclinou para frente olhando para todos os lados, verificando se ninguém estava por perto. Novamente pôs os olhos em mim e estudou meu rosto rapidamente. Nesse momento meu sorriso de zombaria já se desfizera, e uma sensação de perigo me aflorava no estômago me causando desconforto.  
E então, como uma criança que viu uma careta qualquer dos pais, ele desatou a rir histericamente.
– Desculpe. – disse passando a mão na testa – eu não resisti à tentação.
– Bobo! – falei. Pra logo em seguida rir também. – Tudo bem então. Ei, por que não fica com meu cartão? Assim, quando estiver disponível para conversarmos mais você me liga. E não pense que vou me esquecer. Você me deve umas aulas de dedução lógica. –  declarei.
– Tudo bem. Talvez eu não demore a ligar, ultimamente não tenho tido muitos compromissos. É oque acontece quando a ciência avança, e em contra partida os bandidos fogem das salas de aulas cada vez mais jovens. Acaba-se tendo menos crimes bem arquitetados, oque por sua vez, resulta em menos trabalho para pessoas como eu.
– Uma pena – lamentei. Para depois perceber minha imprudência. – Não que eu esteja desejando que mais e mais crimes espetaculares aconteçam. – me apressei em dizer – Quer dizer, se não acontecem você fica sem poder agir, mas se acontecem…
– Calma Alessandra. – disse ele rindo – Eu entendi oque quis dizer.
Sorri sem graça.
– Bem, boa noite Willian, e não deixe de me ligar.
– Não se preocupe, eu com certeza ligarei. E como você vai para casa? – perguntou ele.
– Ah, não se preocupe, vou pegar um táxi.
– Tudo bem então. Se cuide. E tente não andar desacompanhada por becos mal frequentados à uma hora dessas.
Sorri para ele e juntei as mãos fechando os olhos, num gesto de promessa.
– Tchau. – disse eu enquanto me virava para seguir meu caminho.
– Tchau.
Comecei caminhar e de repente me veio aquela sensação inquietante de que eu havia visto dois degraus antes do portão de entrada de onde Gross morava. Não parecia haver um porteiro ou alguém para ajuda-lo a entrar. E pelo que pude perceber, o portão da garagem dava direto para o subsolo. Eu havia dado uns vinte passos à frente após ter me virado para rua. Não aguentando a ideia de que ele certamente precisaria de ajuda para entrar, e talvez por querer muito fazer algo para amenizar minha dívida pessoal com ele, eu me virei.
Minha cabeça ia de um lado para o outro esquadrinhando a rua a minha frente. O homem havia desaparecido! Mas como era possível? Não tinha passado nem meio minuto desde que virei às costas para ele. Voltei apressadamente até à frente de seu prédio e olhei em volta. Mas ele simplesmente evaporara. Fiquei muito intrigada com isso. Mas como assim que o deixei comecei a pensar na desculpa que inventaria ao meu editor por ter sumido o resto da noite, resolvi que era possível alguém do prédio ter-lhe ajudado a entrar. Peguei um táxi na esquina e fui para casa. Eu merecia sem dúvida um bom banho e um belo e enorme copo de chocolate quente depois de tanta agitação. Quando finalmente me deitei na cama, a cena de Gross nocauteando aqueles homens não saía da minha cabeça. Foi realmente inacreditável, e comecei a pensar se isso não daria uma boa matéria de alguma forma. E a partir daí comecei a imaginar Gross como uma espécie de vigilante noturno, que em meio à penumbra da cidade adormecida, percorre as ruas em sua veloz cadeira de rodas, trazendo justiça aos que merecem. Podia até vê-lo com uma máscara no rosto, sua cadeira de rodas motorizada e escapamentos que soltavam fogo e fumaça pelo cominho. Mas neste momento creio que já estava em sono profundo, pois só me lembrei destas últimas cenas quando tomava café da manhã no dia seguinte.
Meu dia começou como era esperado. Rodolfo estava uma fera. Não particularmente comigo, mas sobrou para todos os envolvidos. Uma vez que Henrique e Antônio, não conseguiram seguir a viatura por muito tempo. Embora Rodolfo não tivesse brigado comigo diretamente, ficou muito bravo por não ter conseguido oque queria. Nem sequer deu atenção à minha explicação, tampouco ao fato de que eu quase fora violentada. Senti-me totalmente deslocada e com muita raiva pela sua indelicadeza. Porém, usei a raiva que senti naquele momento, para me motivar. Eu iria a qualquer custo conseguir uma matéria hoje. – Uma matéria não! – me censurei – Eu vou conseguir "A primeira página". O problema era: Como? Oque eu poderia explorar de tal forma a ser merecedor da primeira página do jornal?
Gross não me saía do pensamento e isso me confundia e distraía. Talvez se eu o encontrasse de novo eu pudesse fazer isso parar. Ou quem sabe ele poderia saber de alguma coisa interessante que me rendesse alguma matéria. Isso me pareceu pouco provável, já que sua opinião sobre o jornal era péssima, mas eu estava sem inspiração alguma. Resolvi então ir visita-lo. No começo isso me pareceu um pouco inconveniente, mas também era verdade que fiquei preocupada após ele se pulverizar na noite passada. Teria naturalmente que levar algo como agradecimento pela ajuda na noite passada; mas o quê? Eu não sabia nada sobre ele; se bebia, se gostava de música, sua comida preferida, absolutamente nada.
Quando voltei do almoço, pensei que eu simplesmente poderia convidá-lo para jantar, talvez em casa. Eu não era uma excelente cozinheira, mas me virava bem. Era uma boa ideia.
Às cinco horas, como nada mais era urgente, deixei o jornal e fui fazer umas compras para o jantar. Caso ele não aparecesse, ao menos eu estaria dando uma mão para o Marcelo com o pouco que podia. Claro que corria o risco de Gross não estar em casa, afinal, talvez ele tivesse saído para resolver alguma pendência, já que disse ter assuntos a resolver. Mas valia a pena arriscar. Se ele não estivesse lá, esperaria seu telefonema então.         Mas antes eu precisava de um caixa eletrônico. Estava com pouco dinheiro, e dependendo do gosto do meu convidado, talvez eu precisasse estar mais bem preparada.
Logo na esquina da rua do jornal, havia uma filial do meu banco. Dirigia-me ao caixa procurando meu cartão magnético em minha bolsa, e pensando como foi bom conseguir esse emprego no jornal, pois o pouco que consegui economizar na lanchonete, já estava no fim. Quando avancei para a máquina meus olhos percorreram a rua aleatoriamente.
Eram tantas pessoas que eu ficava imaginando todos como formigas numa cúpula de vidro. Às vezes esse vai e vem desenfreado de pessoas em São Paulo, me sufocava ao ponto de eu querer sumir pra uma cidade mais tranquila. Oque naturalmente era um contrassenso, já que eu havia acabado de fugir de uma. Esse pensamento me divertiu.
Havia três pessoas na minha frente formando uma pequena fila. A senhora que usava o caixa quando cheguei, estava com certeza tendo dificuldades. Entretanto, ninguém parecia se importar em esperar, e tampouco em ajuda-la. Os primeiros da fila eram dois homens que estavam conversando algo aparentemente sério. Na minha frente, uma mulher retocava a maquiagem despreocupadamente. Resolvi ajudar à senhora, já que esperar, não era algo que me agradasse fazer. Saí da fila e me encaminhei para o caixa. Mas ao me aproximar dos homens que estavam na ponta da fila, eu tive um choque. Ali, conversando com outro homem, estava Willian Gross. Eu deveria ter ficado feliz, já que não teria que ir até a casa dele. Embora ele parecesse ocupado, talvez não fosse nada sério, e ele aceitasse meu convite. Entretanto leitor, quando eu disse que levei um choque ao vê-lo, foi pelo simples fato de que Gross encontrava-se certamente em pé, sem nenhum apetrecho que isso lhe permitisse e se apoiando sem dificuldade alguma em ambas as pernas.
O outro homem estava de costas para mim. Gross conversando com ele, estava de frente. Eu estaquei de perplexidade quando o vi. Isso deve ter-lhe chamado à atenção, pois ele imediatamente dirigiu o olhar para mim. Sem parar de falar com o outro homem, o olhar de Gross me atingiu quando me percebeu, mas não se alterou. Parecia até que ele não havia me reconhecido. Voltou a olhar para seu interlocutor, e continuou a falar. Mas no momento em que o homem abaixou a cabeça para jogar seu terminado cigarro no chão, ele novamente me olhou. Sua testa franziu-se, as sobrancelhas juntaram-se, sendo que a esquerda se elevou. Eu não entendia oque estava acontecendo, mas como sempre fui prática, consegui  reprimir meus instintos, e simplesmente retomar minha caminhada para ajudar a pobre senhora que já se desesperava com o caixa eletrônico. Passei a meio metro de Gross sem olha-lo, e fui fazer minha boa ação do dia.
Quando terminou de fazer oque queria, a velhinha me agradeceu efusivamente. Voltei para o meu lugar na fila ainda sem olhar para Gross, e lá fiquei imóvel até que o homem que o acompanhava fizesse um saque, e os dois saíssem andando tranquilamente. Depois disso, abri mão de usar o caixa e fui sorrateiramente seguindo os dois homens pela rua. Eles entraram em uma lanchonete dois quarteirões depois. Fizeram pedidos e sentaram-se em uma mesa próxima à calçada. Eu fiquei atocaiada na esquina, a espera de uma chance de interpelar Gross. Eles conversaram por uns dez minutos, e o outro homem, um sujeito alto e de rosto amigável, parecia muito preocupado. Gross dizia alguma coisa com aquele seu ar despreocupado. Entretanto, o homem falava veementemente, como se Gross não entendesse a gravidade do fato.
Logo que o homem se levantou e apertou a mão de Gross, eu fiquei alerta. Ele pagou os lanches e ambos saíram para rua lado a lado. Eu os seguia a uns quinze metros de distância, usando os transeuntes como camuflagem. Duas ou três vezes Gross, olhou para trás. Não exatamente para mim, mas virou a cabeça como se acompanhasse os carros passando, ou examinasse as vitrines. Logo depois, o homem apertou a mão de Gross muito agitado, e ergueu o braço para um táxi que passava vazio. Gross continuou andando e virou na esquina. O homem então entrou no táxi, e eu apertei o passo para alcançar Gross. Virei na mesma esquina e fiquei aturdida. – Ele sumiu! – falei sem querer. Não havia tantas pessoas naquela rua. E ele não teve tempo para anda-la até o final. Como poderia novamente ter evaporado no ar? Nesse momento comecei a pensar que algo de muito estranho circundava Willian Gross.
Com os ombros caídos, e totalmente desolada, me dei por vencida. Teria que voltar ao jornal sem uma matéria para escrever, e sem ter encontrado Gross. Mas ele que não pensasse que eu desistiria. Montaria guarda na frente de seu prédio se fosse preciso, pois ele tinha muito oque me explicar. Afinal de contas… – nesse momento, fui interrompida por uma voz que falava comigo.
– Ah, essa curiosidade negligente. – a voz era inconfundível. Virei-me para ver a face sorridente de Willian Gross me olhando do alto do seu um metro e oitenta e dois. Fechei meu cenho e fiquei ali o olhando, ao mesmo tempo em que cruzei os braços a espera de uma explicação plausível.
– Hum! – resmungou ele colocando a mão no queixo. – Parece que você precisa de um argumento sólido e franco sobre alguma coisa.
– No mínimo!
– E sobre oque seria?
– Ainda pergunta? – indaguei espantada.
– Mas é claro! Eu tenho vaga noção do que seja, mas como sei que não fiz nada de errado, é bem provável que eu esteja enganado.
– Pois muito bem, - comecei visivelmente sem paciência – poderia me explicar por que mentiu sobre ser deficiente?
Ele riu virando a cabeça e depois se voltando para mim. Sentia que meu rosto estava em chamas nesse momento.
– Eu posso lhe dizer por que menti, assim que você me disser quando foi que eu disse ser deficiente.
Espantei-me um pouco. Claro que ele não havia dito, mas era tão óbvio na noite anterior, que me surpreendeu e irritou o seu cinismo.
– Ora, e era necessário dizer? Para mim era evidente, já que você frente a dois homens enormes não moveu as pernas um centímetro. Sem contar que permaneceu em sua cadeira o tempo todo, desde que lhe vi a primeira vez, até o momento em que desapareceu por encanto ontem a noite… –  nessa hora percebi como lhe foi fácil levantar da cadeira e entrar rapidamente no prédio. Coisa que me deixou confusa na hora, e que deve ter lhe divertido muito.
– Você é um cínico Willian! – continuava eu com ira crescente.
– Alessandra, eu nunca disse que era deficiente, você viu os dados, e os julgou como sua mente está programada para julgar. Eu não posso ser responsabilizado por suas conclusões errôneas.
Considerei por um momento oque ele disse. Mas o fato é que eu odiava estar enganada.
– Veja. Eu estava na frente daquela casa de massagem a serviço, e a cadeira de rodas era meu disfarce. Eu não poderia, estando ainda exposto, sair do meu disfarce. Bem como não poderia deixar aqueles idiotas lhe fazerem mal. – ele tinha um tom de voz grave, mas suave, envolvente. E era muito convincente. Sem que eu percebesse, minha raiva foi cedendo gradualmente. 
– Mas e na frente do seu prédio? Poderia ter me contado.
– Poderia. Entretanto, eu havia acabado de lhe conhecer. E confesso que as pessoas de um modo geral, tem o péssimo hábito de me decepcionar. Sou bastante reservado, e se eu não estiver trabalhando, será muito raro me ver caminhando pelas ruas. As pessoas me chateiam com suas lamúrias e seu intelecto, que de modo geral, é limitado.
Ainda um pouco ofendida, talvez por ter que admitir que me precipitei nas conclusões, me rendi.
– Tudo bem Willian. Deixe pra lá.
– Não fique brava comigo. Na vida que levo, não posso confiar em nada que não conheça muito bem.
– Entendo. – em seguida meu lado prático retomou o controle. – Eu estava indo até sua casa. Quem sabe você queira jantar comigo. Eu não gosto de me sentir em dívida com as pessoas, e embora eu talvez eu nunca possa lhe pagar em proporção real a sua ajuda… – disse eu agora condescendente.
– Seria ótimo! –exclamou ele.
Tomamos um táxi logo à frente após ele insistir. Dei o endereço do apartamento de Marcelo ao motorista, e fiquei vendo a imagem borrada da cidade escurecer com o fim do dia. Não dissemos palavra durante a curta viagem. Marcelo ainda não havia chegado, oque era bem comum, pois ele trabalhava até bem tarde no escritório quase todos os dias. Foi Gross quem quebrou o silêncio enquanto eu descascava as batatas.
– Como vão as matérias? – perguntou.
– Bom, pra falar a verdade, eu não sou uma repórter. – disse eu. E depois comecei naturalmente a lhe contar a minha história. Gross era um tipo de pessoa que inspirava confiança ao se falar com ele. Sentia-me muito à vontade em lhe contar cada pormenor da minha vida, como se o conhecesse há décadas. Ao terminar meu relato, já estávamos jantando e a conversa fluía num tom mais animado, pois eu falava de meus sonhos ambiciosos. Gross me olhava atencioso enquanto eu falava, mas parecia que estava me estudando. Já que seus olhos se demoravam em certos pontos. Nos meus olhos, na minha boca, mãos, etc. Ele acompanhava meus gestos com os olhos injetados entre uma garfada e outra.
Ele estava vestido com uma camisa num tom vinho e uma calça jeans escura, quase preta. Seu rosto era determinado, suas sobrancelhas expressivas só faltavam falar e o cabelo era bem baixo. Sua altura de um metro e oitenta e dois, arrematava o efeito de respeito que sua figura causava. E ainda tinha a sua atitude. Gross dava a ideia, quando queria, de tratar-se de uma pessoa fria, programada, sem sentimento algum. Isso às vezes me incomodava um pouco, pois apesar de ser muito prática, também havia em mim um lado emocional muito forte.
– Oque espera conseguir neste jornal? – inquiriu ele.
– Experiência. Para depois conseguir emprego em outro lugar. Quero poder chegar a me tornar uma correspondente internacional, entende? Estar nos lugares em que as coisas acontecem, ação, aventura, suspense e perigo.
– Acha mesmo que precisa sair do país e trabalhar para um grande jornal ou canal de televisão para isso?
– E onde mais encontraria tal ação? Não que eu esteja reclamando da calmaria, mas neste país não acontece nada. – disse com sinceridade.
Gross levantou a sobrancelha esquerda olhando de soslaio para mim.
– Só porque os jornais, revistas e a tv não mostram nada, não significa que nada acontece.
Achei curioso seu comentário, e senti novamente aquela sensação causada por uma pequena fagulha de adrenalina me percorrendo o corpo.
– Ah, eu sei que nem tudo oque acontece é noticiado, mas não acredito que grandes coisas aconteçam por aqui.
– E se eu lhe fizer uma proposta? Teria a coragem de largar tudo para que eu lhe mostre as entranhas das verdadeiras notícias deste país?
Não pude controlar a excitação, e me remexi na cadeira.
– E como seria isso? – perguntei interessada.
– Eu contrato você agora como uma espécie de assistente pessoal, e você me acompanha onde eu for. Se aceitar, já teremos passagens aéreas para o extremo do país logo mais pela manhã.
– Tão rápido assim? Pensei que estivesse sem muito oque fazer.
– Estava. Porém aquele homem com o qual me viu conversando, é um delegado de uma bela cidade no norte do país. Aconteceu algo grave por lá, e que deve ser mantido em sigilo absoluto. E é nessas horas, em que sigilo, mas também saber decifrar situações estranhas são necessários, que eu sou solicitado.
– Mas oque aconteceu por lá? – perguntei curiosa e já com os olhos vidrados.
– Não sei muito, uma mulher foi assassinada. Esposa de alguém importante. Mas como não deve vir a público, e não confiaram nem no telefone, o meu amigo, delegado Carlos Teixeira, veio em pessoa pedir minha colaboração.
– Nossa! Isso é muito instigante! – fiquei inevitavelmente maravilhada. – Mas não sei se posso sair da cidade assim, é o único emprego que arrumei, tenho contas a acertar com o Marcelo…
– Eu começarei lhe pagando quinhentos reais por semana, e lhe adianto as duas primeiras. Oque acha?
Odiava quando meus olhos delatavam minha reação. Lá estavam ambos arregalados, prontos a fazer com que Gross reconsiderasse.
– Esse espanto tão natural é um sim? Suponho que seja. – disse ele abrindo seu largo e amigável sorriso.
Gross me adiantou de fato duas semanas de pagamento, ação que me possibilitou pagar a Marcelo o que lhe era devido e resolver algumas pendências. Arrumei meus poucos pertences numa mala, e liguei para Rodolfo, que não ficou muito feliz com oque eu disse. É claro que eu não consegui dormir naquela noite, de tão ansiosa que estava para me embrenhar nas mais alucinantes aventuras. E assim, às cinco da manhã do dia seguinte, levantava voo nosso avião, rumo a um acontecimento que eu jamais poderia esquecer.
Quase quatro horas depois, desembarcamos. E fomos recebidos no aeroporto por um homem alto e muito forte. Ele se vestia normalmente, mas tinha uma postura e modos, que me levaram a crer que se tratava de um policial à paisana. Gross foi cumprimentado com alegria e admiração.
Eu ainda não entendia por que Gross simplesmente não veio com o tal delegado, quando este retornou, mas oque eu sabia sobre a maneira de Gross trabalhar? Nada! Então achei melhor esquecer o assunto.
Fomos rapidamente apresentados, e o homem não perdeu um minuto se quer. Entramos em seu carro e mal havíamos afivelado os cintos, quando ele saiu a toda, dirigindo veloz e habilmente pela cidade. Rodamos por meia hora até que chagássemos ao nosso destino. Tratava-se de um hotel bem bonito e moderno.
– Esperarei o senhor aqui para leva-los ao local. – disse o motorista.
– Perfeito. – respondeu Gross
Registramo-nos no hotel, subimos para nossos quartos e Gross recomendou que não desfizesse as malas ainda. Deveríamos sair rapidamente. Assim, em dez minutos, já estávamos novamente na estrada. Eu confesso que não me lembro de muita coisa dessa parte. Tudo que me lembro, é que o sol já estava alto e brilhante no céu quando Gross me cutucou.
– Ei! Chegamos.
Pisquei e esfreguei os olhos ao descer do carro um pouco assustada por ter simplesmente dormido. Em minha defesa devo dizer que só havia voado uma vez de avião, e a experiência não fora muito boa. Logo, eu não dormira durante a viagem que cruzou o país. Estava cansada mental e fisicamente. Mas o cochilo de duas horas, pelo que pude conferir em meu relógio, me restaurara as forças, e agora eu estava totalmente energizada.
– Parei longe para não chamar a atenção. – disse o motorista – A rua é esta. O Dr. Teixeira está na casa. É o número 915. Eu tenho que retornar à delegacia.
– Obrigado. – respondeu Gross. E com um aceno de mão nos despedimos.
Chegando ao número 915 daquela rua eu notei a casa. Era bem ampla. Uma enorme janela de frente para a rua indicava que ali deveria ser a sala, e outra ao lado, reconheci como sendo a da cozinha. Não se viam portas, e deduzi que a entrada era lateral. O muro de pedra era tão limpo quanto alto, e o portão me pareceu ter custado uma pequena fortuna. A casa era pintada num tom verde que agradava os olhos,  o telhado era visivelmente precedido por uma laje. Gross andava lentamente. Havia dois carros parados à entrada, juntos à calçada.
– Vamos ver se entramos pelos fundos. – disse Gross ao perceber algumas silhuetas nas janelas das casas vizinhas.
Contornamos a casa sem dificuldade, pois uma construção em andamento nos dava passagem, já que ainda não haviam levantado os muros. O muro de pedra do 915 cercava toda a propriedade, sendo que exatamente atrás, havia um pequeno portão que dava num terreno vazio, no qual estávamos agora. Gross tentou o portão, e este se abriu quando o tocou. Então ele e eu, observamos a fechadura arrombada. Gross apontou para que eu prestasse atenção ao fato, mas era desnecessário. Internamente eu já teorizava os passos do assassino.  
Havia uma casa pequena nos fundos do grande quintal. Tinha dois cômodos e um banheiro. A casa que vi da rua estava uns dez metros à frente. Escolhemos o lado esquerdo do terreno para seguir, em cujo qual, se vendo da rua, deveria ficar a sala da casa principal, bem como a porta de entrada para a residência.


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